Diz a narrativa bíblica, no livro do Genesis, que, Adão e Eva, viviam num paraíso e dele podiam desfrutar de tudo. Não lhes faltava nada, tinham tudo à disposição. Isso era dádiva de Deus para eles. Só tinham um local do paraíso, onde estava a árvore da vida, lá, eles não podiam invadir. Caso o fizessem, sofreriam as consequências. Conscientes estavam de qual era seu espaço e do que podiam dispor. Conseguiram, por um tempo, desfrutar das benesses de Deus até chegar à tentação. Ludibriados, não resistiram as insinuações da serpente e sucumbiram, infligindo o trato feito. Não demorou muito e ouviram uma voz conhecida que os chamava. Tiveram uma reação estranha ao ouvirem os próprios nomes. Notaram que estavam nus e correram para se esconder, pois ficaram com vergonha. Caíram na própria armadilha, se autodenunciaram, pois, sempre estiveram nus e agora se envergonham de si próprios. Na verdade, sua nudez os acusava de infratores, quebradores de palavra dada. Movidos pela ambição de se tornarem iguais a Deus os fez réus de si próprios e desencadeadores de desgraças para os outros. Sua sede de poder e ganância cavaram a própria ruína.

Assim é com a vida de muita gente. De vez em quando a “nudez” aparece para desmascarar os próprios mitos, idolatrias e inconsequências. Embora, tendo abundância para desfrutar, caem na tentação de possuir o que não lhes pertence. O poder fascina a mente, a ganância embriaga o coração e tapa os olhos. Brincando de deuses vão atendendo aos impulsos que nascem no coração e inebriados pelas insinuações que aparecem a sua frente, sucumbem nas próprias armadilhas.  Como se fossem legítimos proprietários de tudo, dão-se o direito de ultrapassar os limites, vão invadindo “áreas” que não lhes pertencem.

Quando isso acontece a consciência (se não estiver adormecida) chama às contas e aí buscam esconderijos dentro e fora de si para fugir da própria nudez. Contudo, seus subterfúgios, suas justificativas, não suportam à verdade. Na presunção de inocência para esconder os próprios autoenganos, se tornam acusadores dos outros, o “culpado é ele/a”. Quanto mais desculpas para justificar os próprios erros, mais enrolados em vestes falsas e mais à mostra fica a própria nudez, desnudando as próprias “sem-vergonhices”. Quanto mais fugitivos se tornam, multiplicam-se os esconderijos. A imagem e semelhança herdada do criador vai se deformando e mais distante do paraíso vão ficando.

Podemos considerar dois tipos de nudez. A individual e a coletiva. A nudez individual é geradora de consequências que atingem o próprio sujeito.  A nudez manifestada pelo coletivo afeta a vida de todos. Ambas corroem a autenticidade, e, seus disfarces acabam aumentando a nudez, que fica mais à vista.

A nudez adâmica individual pode aparecer, por exemplo, revestida no culto à beleza do corpo; na vaidade retratada nas tatuagens que recobrem seu físico; nos penduricalhos no nariz, na boca, no umbigo...; no festival de cabelos multicoloridos; nas roupas rasgadas compradas a peso de ouro, pois, é da moda! 

A nudez adâmica em nome da modernidade, procrastina valores relacionados à família no cultivo do “poliamor”, novo modismo para esculachar o verdadeiro sentido do amor.

Hoje, em nosso mundo, o culto ao subjetivismo e a autoidolatria, geram consequências individuais e coletivas, expõem a nudez de um mundo multifacetado por uma multiplicidade de ideologias. Cada uma apresenta um projeto para a vida em sociedade. Muitas delas vão na contramão do projeto original de um paraíso que fora feito para ser desfrutado igualmente por todos.

A própria sociedade, em muitos casos, cria leis para legitimar a própria insensatez. Não aceitar os limites colocados pelo criador, geram as nudezes ouvidas nos noticiários diários mostrando realidades que descaracterizam aquilo que seria o “paraíso” para todos. Uma delas, bastante perceptível, é a afronta que se faz à natureza, o jardim que nos foi dado, sendo desfigurado pela desfaçatez que viola as leis básicas de sua preservação. As mudanças climáticas que já trazem consequências são uma amostra da ultrapassagem dos limites.

E assim a nudez adâmica cada vez mais sofisticada vai tomando conta da vida de muita gente, indo às avessas do paraíso proposto pelo criador. A vergonha de Adão e Eva “quase” sumiu, fica meio abafada pela ilusão de que a verdade, é aquela que cada um concebe (subjetivismo), e assim deixa de existir a verdade objetiva. Ouvidos moucos só escutam o que causa prazer e responde aos apelos do imediato. Saturando a vida de coisas inúteis e desviantes perde-se o encanto por ela e a frustração toma conta dela, que fica sem graça e sem vergonha!

Esconder-se da própria nudez continua sendo estratégia para manter a ambição de deuses, renegando a condição de criaturas limitadas. Haja nudez para esconder! ....

Diacono João Gualberto SDS

  Autor:

P. Deolino Pedro Baldissera, sds