Em minha casa, quando era criança, havia um quadro pendurado na sala. Nele havia um triangulo (símbolo da Trindade) e dentro um olho e logo abaixo estava escrito: “Deus vê tudo”. Na minha mente aquele quadro era uma espécie de advertência. Deus vigiava o comportamento e nada passava desapercebido. Ele era como um juiz que julgaria as ações boas e más. Minha mãe muitas vezes se referia àquele quadro, me advertindo para não fazer nada que fosse mau, escondido, porque Deus via tudo.  Quando olhava aquele quadro sentia um certo medo e evitava de fazer certas coisas proibidas por minha mãe quando ela estivesse ausente. O escrúpulo e o medo afastavam de mim o desejo de pegar guloseimas guardadas por minha mãe para outros momentos.

Pensando nesse quadro hoje, vejo duas maneiras de interpretá-lo. Uma de um Deus fiscalizador, como o entendia quando criança, certamente que não corresponde ao Deus revelado por Jesus. Mas, diga-se de passagem, era a compreensão da época. Uma segunda, é aquela que indica que há algo de verdadeiro na frase do quadro. Realmente Deus é onipresente, por isso vê tudo, não para fiscalizar, mas como expressão de si mesmo.

Refletindo sobre isso podemos então pensar que Deus tem seu olhar voltado para nós! Desde sempre nos viu. Sob seu olhar fomos concebidos no ventre materno, desde lá, Ele nos conhece como e quem somos. Sob seu olhar nascemos e vivemos. Nada foge ao seu olhar. Seu amor que nos criou, nos chamou à vida e nos deu dons para que a vivêssemos dignamente sob seu olhar. O olhar de Deus é penetrante, vai até o nosso âmago, nos conhece em todas nossas vicissitudes, conhece nossas mazelas e nossas virtudes. Sabe quem somos porque está na origem de nosso ser, foi Ele quem nos deu a vida e no-la deu nesse tempo histórico. E, através da vida, uma missão a realizar em nosso mundo. O que fazemos dela é escolha nossa, mas nos seus planos somos convidados a viver uma vocação e a primeira delas é a de ser pessoas de bem, que façam o bem exercendo uma profissão ou uma missão de consagrados! Contrariar essa vocação original é ir na contra mão das origens, é tentar esquivar-se equivocadamente de seu projeto para nós. É um devaneio nos acharmos donos do próprio destino. Como diz o salmo, se subimos ao céu lá Ele nos encontra; se descemos ao abismo mais profundo também lá Ele nos vê; se tentamos nos esconder de sua presença, não encontramos esconderijo seguro. Onde quer que desejemos ir, lá Ele chegou primeiro e estava a nossa espera. Estamos sob seu olhar em todos os momentos e lugares. Mera ilusão achar que podemos ludibriá-lo. Mesmo quando contrariamos sua vontade Ele nos segue com seu olhar e nada foge a sua perspicácia. Sob seu olhar vivemos, existimos, somos protegidos, abençoados, amados como filhos. O olhar de Deus é penetrante, nem nossos pensamentos mais íntimos, nem nossos desejos mais recônditos, nem nossos sentimentos mais escondidos, saem de sua órbita.  Nada é desconhecido dele. Sua onipresença envolve tudo e todos. Somos criaturas dele, e, isso ninguém pode abnegar. Mesmo os que não creem, estão sob seu olhar, eles também são criaturas suas. Nossa liberdade permite que distanciemos nosso coração dele, contudo, não conseguimos viver fora de seu coração amoroso.

O olhar de Deus sempre nos deixa próximo dele, mesmo quando nos esquecemos ou nos distraímos com as outras coisas que vemos. Seu olhar é garantia e proteção. Assim como uma mãe não perde de vista seu filho pequeno quando sai de seu colo e se aventura atraído por algum objeto. Somos “propriedade” de Deus e ninguém pode usurpá-la. Sob seu olhar acordamos cada manhã, nos locomovemos durante o dia e quando repousamos à noite, seu olhar não dorme, perenemente nos vê.

O olhar misericordioso de Deus nos salvou da morte eterna com o envio de seu Filho unigênito, que morreu na cruz numa demonstração mais contundente de amor por nós. Em Jesus conhecemos a segunda pessoa da Trindade. Ele, após realizar sua missão salvadora, nos enviou o Espirito Santo (terceira pessoa da Trindade). Assim, podemos concluir, sempre fomos vistos pela Trindade!

Fazendo um paralelismo podemos dizer, Deus Pai revelando-se, nos colocou sob o olhar de Jesus. Jesus na realização da missão recebida do Pai, olhou e viu os primeiros discípulos à beira mar e os chamou para segui-lo. Eles ouviram seus ensinamentos, viram seus exemplos e tendo “seus olhos fixos nEle”, cresceram na disposição de entregar sua vida por Ele e por sua causa. O Olhar de Jesus, é extensão do olhar do próprio Pai, que viu a aflição do povo a quem desejou salvar. O olhar de Jesus é penetrante como o do Pai, desvendou os segredos dos corações dos que o procuravam, muitas vezes por interesses até mesquinhos, penetrou na vida de quem o buscou com sinceridade e atendeu suas demandas, com curas, milagres ... nas terras da galileia e arredores. O olhar de Jesus cativava a todos, de modo especial os mais carentes de saúde, de paz, de anseios. Temos algumas cenas impactantes do olhar de Jesus. Algumas mais significativas aconteceram no caminho do calvário e quando estava na cruz. Viu os lamentos das mulheres que choravam por Ele, e lhes disse que chorassem antes por seus filhos! Já na cruz viu o arrependimento de um dos crucificados com ele, e lhe garantiu o paraíso ainda naquele dia.  Vendo sua mãe e o discípulo amado ao pé da cruz, disse: “Mulher, eis aí teu filho e ao discípulo, eis aí tua mãe”!

O olhar de Jesus é o mesmo olhar do Pai, porque dele procede. Sob esses olhares, de Deus Pai, do Filho Jesus e do Espirito Santo, vivemos, nos movemos e somos. Sob o olhar de Deus Trindade continuemos no caminho, fazendo o bem, até o dia em que possamos ver a Trindade face a face na eternidade.

O quadro da sala de minha casa continha essa verdade, que, como criança interpretava por um viés que não era tão verdadeiro, mas, lá continha o mistério da Trindade representada no triangulo. O quadro serviu como pedagogo que me levou mais tarde a entender o que estava contido no olho que dizia “Deus vê tudo”!

Diacono João Gualberto SDS

  Autor:

P. Deolino Pedro Baldissera, sds