Solidariedade é a palavra do momento, diante da tragédia que se abate sobre o Rio Grande do Sul. De todo o Brasil se tem visto gestos de solidariedade que se manifestam em doações de todo tipo, desde água, alimentos, roupas e outros. São todos gestos edificantes que emocionam. É o coração solidário que se manifesta com o desejo de menorizar o sofrimento alheio, daqueles que perderam tudo ou quase tudo. Podemos pensar que a solidariedade é a manifestação do coração humano mais autêntica, porque expressa aquilo que brota do amor desinteressado e altruísta. As doações são feitas por anônimos, gente que foi ao mercado comprou algo para doar e levou ao lugar onde recolhem as doações. Os doadores pertencem a todas as classes sociais. Gente de diferentes raças e cores, pessoas cultas ou analfabetas, torcedores de todas os times, trabalhadores de todos os serviços. Nesses gestos de solidariedade esquece-se os preconceitos, as diferenças religiosas, aquilo que distancia no dia a dia a convivência harmônica. A solidariedade é capaz de unir a todos por uma causa comum, ajudar o próximo.
Diante disso cabe talvez algumas reflexões. Uma delas é uma pergunta? Porque em situações assim, de calamidade, as pessoas se tornam sensíveis e capazes de serem solidárias? Certamente há muitas explicações, mas quero me ater a umas poucas. Em primeiro lugar, vejo nestes gestos expressões da verdadeira humanidade, aquela que deixa seus interesses particulares para atender necessidades de outros humanos que não conhecem e nem tem relação de parentesco, para expressar sua compaixão com aquele que sofre! Esses gestos traduzem aquilo que está no mais íntimo de cada um, o reconhecimento que dependemos uns dos outros. Não é atoa que o evangelho recomenda “amai-vos uns aos outros”! O amor verdadeiro se traduz em ações concretas. Podemos pensar também que nesses gestos de solidariedade, está o desejo genuíno, presente no coração de cada um, que não quer a divisão, não quer a ganância, não quer a falta de condições dignas para as pessoas, que deseja sim, um mundo mais humano com bens mais bem compartilhados. Quem é solidário, aquilo que dá, não lhe empobrece e torna sua vida mais leve e sente-se feliz. Sente-se feliz porque deu algo de si naquilo lhe pertencia. Bem dizia São Francisco em sua oraçao, “é dando que se recebe”! Não são bens materiais que se recebe em troca, mas é em paz de espírito e de alegria.
Vimos não só gente doando bens, mas muitas se doando em prestação de ajudas nos resgates dos ilhados, em socorro dos desabrigados, em auxílio aos doentes, idosos e fragilizados. Vimos a união de forças para fazer frente a todos os desafios que a situação gerou. Ninguém de bom senso fica indiferente, apesar de lamentavelmente, vermos uns poucos se aproveitando da desgraça alheia. Uns que aproveitam para saquear, roubar... esses perderam sua humanidade, tornaram-se exemplo daquilo que há de mais perverso no coração humano, a maldade. Graças a Deus, estes são uma pequena minoria, mas amostra do que é a falta de solidariedade. Somos esperançosos porque o que vimos na grande maioria, incontáveis pessoas solidárias!
Outra pergunta que me ocorre diante dessa calamidade: Por que o sofrimento nos torna solidários? Penso que o sofrimento é expressão daquilo que ameaça a vida. Ele faz parte do nosso dia a dia, contudo, quando ele ultrapassa o razoável e transparece em forma exorbitante, ele nos lembra nossa condição humana, cujo experiência nos diz: “sofrer é dor que não queremos; sofrer nos põe na condição de mendicantes, necessitados de ajuda; Nos sentimos “samaritanos caídos a beira do caminho”; sofrer nos coloca diante de nossos limites; sofrer traz questões existenciais; sofrer é também busca por sentido. Diante disso, o sofrimento encontra saídas e esperança quando vê a solidariedade vir em seu encontro. Ela nos lembra que há “samaritanos” que são capazes de deixar suas prioridades, para se aproximar e socorrer. Nos recorda também que não estamos sozinhos nas lutas diárias.
Bendita a solidariedade que ainda existe no coração humano, mesmo que não seja a prática diária, o que seria desejável, porque ela mostra que, apesar de tudo o que a contradiz na convivência humana, ainda temos esperança. Ela fica escondida ou guardada no coração das pessoas. Por isso podemos confiar no futuro, mesmo quando se tenha tantos desafios para enfrentar e realidades a reconstruir.
Para concluir, gostaria apenas de lembrar, que nossa capacidade de ser solidário, encontra sua expressão máxima, em Jesus que não só nos ensinou a amar como ele amou, mas também mostrou sua solidariedade se expondo ao sofrimento da cruz. Lá ficou como um sinal permanente, mostrando-nos o caminho da solidariedade.
Se os fatos trágicos que hoje vemos no Rio Grande do Sul, nos despertou a solidariedade, vejamos nisso, apesar de tudo, um resgate daquilo que em nós nunca devia adormecer.
Cultivemos a solidariedade para que ela seja nossa marca humana, que não ignora o sofrimento alheio, seja em tempo de calamidade ou em tempo de bonança!
Solidários sempre!
P. Deolino Pedro Baldissera, sds
Estava eu à beira mar ao cair da tarde. Meus pés estavam entre a areia da borda e da água das ondas que vinham espraiar-se na areia. Veio uma pequena onda meio sorrateira que passou bem junto aos meus pés. Tocou-me suavemente a sola do pé que ela encobriu e retirou de abaixo dele a areia fina. Foram milhões de grãozinho de areia que se moveram, não saberia contar. Á água voltou para a outra onda que veio em sua direção não sei se a buscar com medo que se perdesse entre a areia ou estava disputando quem chegava primeiro. Eu fiquei confuso sem saber para onde tinha ido a que banhou meus pés. Olhei para o mar e ele bramia em ondas de todos os tamanhos e formatos. Absorveu aquela que tinha vindo até mim. Á agua que banhou meus pés ficou escondida na imensidão do oceano. Não a vi mais nem sei se um dia a verei, pois, como distinguir a que banhou meus pés daquela outra que banhou os pés das pessoas que comigo estavam. Fiquei diante de um mistério tão simples e tão complexo. Simples porque eu vi a água que banhou meus pés, ela estava ali. Senti sua temperatura que era diferente a do meu corpo. Ela tocou-me trazendo um frescor e uma sensação agradável que só conhece quem põe os pés levemente na margem ao alcance das ondas que se aproximam com seu barulho típico e que vai se amansando à medida em que se aproxima da areia enxuta. Aquela água que tocou mês pés veio acompanhada de uma espuma que se desfez ao tocar a areia seca, as pequenas bolhas explodiram sem que eu pudesse ouvir o seu barulho. Aquela água chegou bem transparente e ao cavar a areia debaixo dos meus pés ficou turva pela multidão de grãos de areia que se moveram. Naquela hora o sol já se punha, mas ainda deixava seu rastro no céu onde parecia ter incendiado as nuvens que ficaram vermelhas parecendo lavras de vulcão incandescente. O contraste era maravilhoso, nuvens brancas e como que por trás delas o fogo do sol vermelho se despedindo pouco a pouco do dia que chegava ao fim. As nuvens que se movimentavam devagar pareciam abanar como quem se despede partindo para alguma viagem. Elas diziam até amanhã! Pois sem o sol elas também iam ficar invisíveis ou iriam dormir para noutro dia talvez bem longe dali aparecer de novo como que incendiadas pelo fogo novo do sol quando este trouxesse de novo o amanhecer do dia seguinte.
Tanto as nuvens como a água que banhou meus pés me deixaram numa grande nostalgia, porque naquele momento sentia uma sensação de doçura da natureza que diariamente nos presenteia com essas coisas simples, misteriosas que se vê e depois se despede e fica-se com saudade. Onde foi parar a água que banhou meus pés naquela tarde? Será que ela virou nuvem e choveu naquela chuvinha que apareceu no dia seguinte quando me preparava para ir à praia novamente? Quem pode decifrar esse enigma tão ao alcance dos olhos, porém difícil de saber.
Assim é a natureza, ela nos revela coisas sensíveis que nos causam sensações agradáveis, mas ela também esconde as coisas que viram mistério e nos deixam não só cheios de nostalgia, mas também cheios de perguntas.
Aquela água que banhou meus pés pertence à imensidão das águas do mar que faz ondas gigantes ameaçadoras e outras tão tênues e inofensivas. Nuvens brancas e que dão tchau de despedida e aquelas grossas e escuras que geram tormentas, que chovem forte e às vezes destroem e aquelas outras que caem em garoas finas que molham e fertilizam o solo em qualquer amanhecer ou tardinha com o sol escondido atrás de si.
Dois contrates. Água do mar da ondinha e da onda grande. Água da nuvem branca pacifica e água da nuvem carregada e ameaçadora.
Por um lado, a suavidade da vida por outro a força poderosa da natureza. Parece ser assim que os mistérios se revelam e se escondem. Na imensidão do oceano das muitas águas se mostra o rosto do seu Criador com suavidade quando precisa tocar o coração de alguém ou com a força que se impõe com domínio absoluto. Ninguém pode dominar o mar nem o subtrair do seu lugar, ninguém vence o mar! Das nuvens poderosas que andam livres pelos céus, ninguém pode desviar seu curso e nem dar ordens para que baixem ou subam mais. Elas voam para onde o vento as levam ou por onde sua força as impulsiona. Ninguém vence as nuvens fortes.
Assim é a vida. Momentos de leveza e mansidão, momentos de força e energia que nos levam no seu vaivém para diferentes direções. Hora irreverentes achando que dominamos o mundo e o conhecemos, hora submissos e abatidos diante de algo que é mais forte e se impõe mesmo a contragosto. Ninguém é dono da vida, só seu criador que nos surpreende com momentos de paz e bem-estar e outros de mistérios e grandezas que desconhecemos.
Ainda continuo me perguntando onde foi parar a água que banhou meus pés à beira mar naquela tarde de sol poente? Onde estará agora? Virou nuvem ou está escondida no mistério das águas oceânicas. Até algum dia se Deus quiser! Tchau.
P. Deolino Pedro Baldissera, sds
Quando estudamos geografia, ainda na escola primária, foi-nos ensinado que planetas orbitam outros planetas. Por exemplo, que a lua dá voltas em torno da terra e que a terra dá voltas em torno do sol. A orbitação se dá pela força de atração que um planeta exerce sobre o outro e sua gravidade.
A partir dessa constatação podemos imaginar e fazer comparações entre vários tipos de orbitação que ocorrem em nossa vida. Começando pelas mais simples, como por exemplo, os membros de uma família. Podemos dizer todos os membros orbitam em torno de seu núcleo familiar. Uns dependem dos outros, o amor entre si é a força de atração que os mantem unidos e interessados mutuamente. No mundo dos negócios, os que negociam entre si, orbitam atraídos, movidos pelo dinheiro; no mundo da governança, os interesses em jogo orbitam em redor da questão do poder. Quem tem mais poder exerce maior pressão sobre os que tem menos. E assim há muitas órbitas onde a vida circula. Dependendo de qual exerce maior atração a vida se inclina.
Poderíamos dizer que precisamos lidar com vários tipos de “orbitaçao” (atração)! Há aquelas relacionadas com as relações; aquelas relacionadas às necessidades materiais; aquelas que respondem pela nossa saúde física; aquelas necessárias à saúde psíquica; aquelas vinculadas ao sentido maior para a vida. Cada uma delas exerce um poder de atração sobre nós. O grande perigo é sair do equilíbrio (órbita), se isso acontece, aí se desgoverna e pode haver colisão e comprometer tudo. O equilíbrio nem sempre é fácil de conseguir. Os astrônomos dizem que, às vezes, há colisões entre corpos celeste e há os buracos negros que engolem estrelas etc. às vezes caem meteoritos sobre a terra e grande parte deles se desintegram antes de chegar ao chão. Saíram da sua órbita e são destruídos!
Vejamos em mais detalhes algumas de nossas órbitas. Falando ainda das relações com os outros. Todos nós precisamos uns os outros. Ninguém consegue viver sozinho, orbitar em torno de si mesmo o tempo todo, ignorando a força dos outros, pode levar a autodestruição. Na relação com os outros é preciso respeitar limites para não colidir. Não posso invadir o outro ultrapassando o permitido. Caso isso aconteça, acontecem os desentendimentos e as vidas ficam à perigo. Veja-se os casos de homicídios, feminicídios, suicídios etc. No caso daquelas relacionadas às necessidades materiais também precisamos estabelecer limites, pois, se colocamos todo nosso empenho em torno delas vamos defasar outros aspectos. Aí facilmente comprometemos a esfera psíquica. Podemos adoecer, contrair patologias que causam transtornos mentais. Todos nós queremos ser felizes. A felicidade acontece quando a vida responde por suas diferentes necessidades de forma harmônica e equilibrada. Não podemos esquecer que uma dimensão importante é aquela ligada ao espírito, as necessidades da alma. Daí surge uma orbitação muito importante relacionada àquilo que dá sentido, a longo prazo, para a vida como um todo. Sem ter um, corremos o risco de divagar fora de espaço, meio sem rumo e a vida se desnorteia e se complica. A órbita que está ligada ao sentido da vida tem a ver com a fé, com a religião, que respondem por essa dimensão. Só uma crença que vá além daquilo que as mãos podem manipular, e que aponte para Deus (como a terra está para o sol) pode assegurar uma órbita abrangente. Caso se fique apenas no horizonte humano é como se a terra ignorasse o sol e sua força de atração e achasse que bastaria girar em torno de si mesma.
Assim como a terra precisa orbitar em torno do sol que a aquece, ilumina, e controla sua gravitação, mantendo-a entre os diversos planetas sem se chocar com eles, assim a vida precisa de algo maior que ela que a mantenha no equilíbrio.Por isso um cuidado especial precisamos ter com nossas órbitas. Nem todas tem o mesmo peso, o mesmo valor. Orbitar é preciso, contudo, cada uma delas deve manter-se em seu espaço e trajeto.Muitas pessoas vivem fora de órbita, navegam desnorteados, porque não controlam suas próprias forças, as aplicam sem respeitar as proporcionalidades. Isto é, extrapolam em algumas, dando mais valor que merecem e se desconectam de outras fundamentais para o equilíbrio.Todo ser humano precisa satisfazer diferentes tipos de necessidades, contudo não pode exagerar nos cuidados de umas em detrimento de outras. Encontrar o equilíbrio exige um esforço de discernimento. Por isso avaliar o significado e importância de cada “órbita” (gravitação) é fundamental para controlar as rotações.
Nosso mundo anda bastante fora de “gravitação”! Enfrentamos tantos problemas de convivência desequilibrada, seja no âmbito das famílias, das comunidades, dos países. É só olhar a quantidade de guerras que existem sem controle. Veja-se Rússia vs. Ucrânia, Israel vs. Hamas. Essas são as noticiadas, há outras por esse mundo afora que saíram do interesse dos noticiários, mas existem. No âmbito do Brasil, veja-se quantos grupos se digladiando por questões políticas, de poder... Há falta de bom senso, de equilíbrio, há rotas desviadas, valores negligenciados ou distorcidos. Veja-se por exemplo, nas questões religiosas, as interpretações distorcidas das boas práticas cultuais, dos interesses mesquinhos por trás de roupagens de defensores dos altos valores. Há confusões de papéis e inversão do sentido das coisas. Parece que a força de atração não está mais fundada na paz, na convivência pacifica, no respeito às diferenças de ideias. Está se perdendo a sensibilidade humana, o outro de quem se discorda deixa de ser visto como humano, para ser tratado como ameaça e por isso se justifica sua eliminação. Temos exemplos sobrando em todos os níveis. A força gravitacional do mal, parece superar a força do bem. As consequências disso já as estamos vivendo. O mundo parece ter saído de seus eixos. Há muitas colisões desnecessárias e inúteis para o verdadeiro progresso humano. Urge uma correção de rotas e gravitações para se manter a esperança e garantir a vida para as futuras gerações.
P. Deolino Pedro Baldissera, sds
Em minha casa, quando era criança, havia um quadro pendurado na sala. Nele havia um triangulo (símbolo da Trindade) e dentro um olho e logo abaixo estava escrito: “Deus vê tudo”. Na minha mente aquele quadro era uma espécie de advertência. Deus vigiava o comportamento e nada passava desapercebido. Ele era como um juiz que julgaria as ações boas e más. Minha mãe muitas vezes se referia àquele quadro, me advertindo para não fazer nada que fosse mau, escondido, porque Deus via tudo. Quando olhava aquele quadro sentia um certo medo e evitava de fazer certas coisas proibidas por minha mãe quando ela estivesse ausente. O escrúpulo e o medo afastavam de mim o desejo de pegar guloseimas guardadas por minha mãe para outros momentos.
Pensando nesse quadro hoje, vejo duas maneiras de interpretá-lo. Uma de um Deus fiscalizador, como o entendia quando criança, certamente que não corresponde ao Deus revelado por Jesus. Mas, diga-se de passagem, era a compreensão da época. Uma segunda, é aquela que indica que há algo de verdadeiro na frase do quadro. Realmente Deus é onipresente, por isso vê tudo, não para fiscalizar, mas como expressão de si mesmo.
Refletindo sobre isso podemos então pensar que Deus tem seu olhar voltado para nós! Desde sempre nos viu. Sob seu olhar fomos concebidos no ventre materno, desde lá, Ele nos conhece como e quem somos. Sob seu olhar nascemos e vivemos. Nada foge ao seu olhar. Seu amor que nos criou, nos chamou à vida e nos deu dons para que a vivêssemos dignamente sob seu olhar. O olhar de Deus é penetrante, vai até o nosso âmago, nos conhece em todas nossas vicissitudes, conhece nossas mazelas e nossas virtudes. Sabe quem somos porque está na origem de nosso ser, foi Ele quem nos deu a vida e no-la deu nesse tempo histórico. E, através da vida, uma missão a realizar em nosso mundo. O que fazemos dela é escolha nossa, mas nos seus planos somos convidados a viver uma vocação e a primeira delas é a de ser pessoas de bem, que façam o bem exercendo uma profissão ou uma missão de consagrados! Contrariar essa vocação original é ir na contra mão das origens, é tentar esquivar-se equivocadamente de seu projeto para nós. É um devaneio nos acharmos donos do próprio destino. Como diz o salmo, se subimos ao céu lá Ele nos encontra; se descemos ao abismo mais profundo também lá Ele nos vê; se tentamos nos esconder de sua presença, não encontramos esconderijo seguro. Onde quer que desejemos ir, lá Ele chegou primeiro e estava a nossa espera. Estamos sob seu olhar em todos os momentos e lugares. Mera ilusão achar que podemos ludibriá-lo. Mesmo quando contrariamos sua vontade Ele nos segue com seu olhar e nada foge a sua perspicácia. Sob seu olhar vivemos, existimos, somos protegidos, abençoados, amados como filhos. O olhar de Deus é penetrante, nem nossos pensamentos mais íntimos, nem nossos desejos mais recônditos, nem nossos sentimentos mais escondidos, saem de sua órbita. Nada é desconhecido dele. Sua onipresença envolve tudo e todos. Somos criaturas dele, e, isso ninguém pode abnegar. Mesmo os que não creem, estão sob seu olhar, eles também são criaturas suas. Nossa liberdade permite que distanciemos nosso coração dele, contudo, não conseguimos viver fora de seu coração amoroso.
O olhar de Deus sempre nos deixa próximo dele, mesmo quando nos esquecemos ou nos distraímos com as outras coisas que vemos. Seu olhar é garantia e proteção. Assim como uma mãe não perde de vista seu filho pequeno quando sai de seu colo e se aventura atraído por algum objeto. Somos “propriedade” de Deus e ninguém pode usurpá-la. Sob seu olhar acordamos cada manhã, nos locomovemos durante o dia e quando repousamos à noite, seu olhar não dorme, perenemente nos vê.
O olhar misericordioso de Deus nos salvou da morte eterna com o envio de seu Filho unigênito, que morreu na cruz numa demonstração mais contundente de amor por nós. Em Jesus conhecemos a segunda pessoa da Trindade. Ele, após realizar sua missão salvadora, nos enviou o Espirito Santo (terceira pessoa da Trindade). Assim, podemos concluir, sempre fomos vistos pela Trindade!
Fazendo um paralelismo podemos dizer, Deus Pai revelando-se, nos colocou sob o olhar de Jesus. Jesus na realização da missão recebida do Pai, olhou e viu os primeiros discípulos à beira mar e os chamou para segui-lo. Eles ouviram seus ensinamentos, viram seus exemplos e tendo “seus olhos fixos nEle”, cresceram na disposição de entregar sua vida por Ele e por sua causa. O Olhar de Jesus, é extensão do olhar do próprio Pai, que viu a aflição do povo a quem desejou salvar. O olhar de Jesus é penetrante como o do Pai, desvendou os segredos dos corações dos que o procuravam, muitas vezes por interesses até mesquinhos, penetrou na vida de quem o buscou com sinceridade e atendeu suas demandas, com curas, milagres ... nas terras da galileia e arredores. O olhar de Jesus cativava a todos, de modo especial os mais carentes de saúde, de paz, de anseios. Temos algumas cenas impactantes do olhar de Jesus. Algumas mais significativas aconteceram no caminho do calvário e quando estava na cruz. Viu os lamentos das mulheres que choravam por Ele, e lhes disse que chorassem antes por seus filhos! Já na cruz viu o arrependimento de um dos crucificados com ele, e lhe garantiu o paraíso ainda naquele dia. Vendo sua mãe e o discípulo amado ao pé da cruz, disse: “Mulher, eis aí teu filho e ao discípulo, eis aí tua mãe”!
O olhar de Jesus é o mesmo olhar do Pai, porque dele procede. Sob esses olhares, de Deus Pai, do Filho Jesus e do Espirito Santo, vivemos, nos movemos e somos. Sob o olhar de Deus Trindade continuemos no caminho, fazendo o bem, até o dia em que possamos ver a Trindade face a face na eternidade.
O quadro da sala de minha casa continha essa verdade, que, como criança interpretava por um viés que não era tão verdadeiro, mas, lá continha o mistério da Trindade representada no triangulo. O quadro serviu como pedagogo que me levou mais tarde a entender o que estava contido no olho que dizia “Deus vê tudo”!
P. Deolino Pedro Baldissera, sds
Encontrei alguém que me disse que estava “cansado de amar”! Estranhei o fato, mas, na conversa que tive, notei que havia errado o endereço na busca do amor! Se enganara na compreensão dele. Reduzira o amor ao erótico. Para entender melhor, vejamos algumas considerações.
Os gregos, quando queriam se referir ao amor, tinham palavras diferentes para definir o tipo de amor. Tinham as palavras: Eros, Filia e Ágape. Eros (deusa do amor) era o referencial para falar do amor erótico, ligado à sensibilidade. Ele era despertado pelo olhar, pelo toque que acionavam as fantasias e os desejos de possuir o “objeto” desejado para o desfrute do prazer que ele proporcionava. Essa relação erótica estava ligada, sobretudo, aos desejos e instintos sexuais. Portanto, o objeto do desejo era visto como necessário para a satisfação própria, sem levar em conta o outro como tal. O outro desejado pelo seu corpo!
O amor traduzido pela Filia era aquele que encontrava no outro alguém com quem podia estabelecer um vínculo de confiança, em quem podia confidenciar experiências pessoais, desenvolver uma amizade. Ambos, os parceiros da amizade, podiam viver à distância, sem necessidade de conviver diariamente ou em encontros frequentes. A Filia é a relação de amigos, independente de sexo ou idade. O vínculo da amizade estabelece um apreço mútuo, em que se respeitam os limites e se aceita o outro como é. Mantêm uma proximidade afetiva, mesmo estando longe.
O amor Ágape é aquele que une pessoas em profundidade. Há uma comunhão de vida em que um se compromete com o outro em todos os aspectos. Compartilha-se todo o “ser e o ter”. Normalmente, esse tipo de amor exige presença e aceitação incondicional um do outro. Há uma “cumplicidade” de vida. O que acontece com um repercute no outro. O outro é respeitado por aquilo que é, e aceito como é. Sua ausência é sentida com um certo sofrimento emocional, quando se separam momentaneamente, um continua no pensamento do outro e com saudade, espera pela volta, pelo reencontro. Nesse tipo de amor, podem-se manifestar também os dois outros acima relatados. Pode existir o erótico e a amizade. Trocam carícias sensuais e se fazem dom de si para o outro, trocam confidências pessoais e se respeitam mutuamente.
Dito isto, analisemos agora os “cansados de amar”! Em nossa sociedade, é com frequência que vemos pessoas que se cansam em seus relacionamentos! Começam com “juras de amor eterno” e, depois da “lua de mel”, enfraquecem a relação, e começa o distanciamento afetivo. Aos poucos, o esvaziamento na relação de um para o outro leva à separação (amigável ou litigiosa), e começa a busca de outro que preencha o vazio afetivo. Muitas dessas situações ocorrem porque se pensou apenas no amor erótico e não se criaram vínculos mais profundos de Filia e Ágape. A atração pela beleza física e sensual termina. Os anos se encarregam de mudar. Quem se casa com a beleza física do outro como motivação para o amor está decretando, desde o início, o seu final antes do tempo.
Muitos nutrem a ilusão de que se pode viver do amor Eros; quando se cansam de um, mudam para outro mais atraente. Na verdade, enquanto se fica nesse rodízio, a vida vai passando e se esvaziando de verdadeiro significado, que só é encontrado no amor Ágape. Vejo na TV tantas pessoas famosas se expondo e se apresentando como “modelos” identificadores, sobretudo, para os jovens, de como se deve viver a vida. Falam com desinibição de suas experiências amorosas falidas (de seus “cansaços do amor!”) de suas trocas de parceiro/a sob a justificativa do direito de ser feliz. “Cansados de amar” acontece o descarte mútuo. Pauta-se a felicidade pelo efêmero! O horizonte pobre porque o outro é desconsiderado na sua verdadeira dignidade e valor enquanto pessoa. Vale enquanto satisfaz! Não há compromisso duradouro, tudo deve satisfazer imediatamente, caso contrário não vale a pena investir.
Muitos problemas de ordem familiar, de relacionamentos de convivência, se tornam críticos porque abraçou-se a ideologia hedonista que “cultua” a deusa Eros (ou Afrodite), em que cada um olha só pra si como medida de tudo. O que vale é o que pensa, o que sente, o que satisfaz. Ignora-se a alteridade do outro. Nessa dinâmica de vida, o Eros é quase um valor supremo, definidor da vivência amorosa. Perde-se o sentido do amor Ágape anunciado e vivido por Jesus como fonte da verdadeira vida. Ninguém será feliz se não estiver no caminho do amor Ágape.
Aos “cansados de amar”, uma sugestão: “revejam as fontes que nutrem seu amor”. Caso contrário, o “cansaço de amar” fica crônico e terá um final desastroso, engolindo a vitalidade da vida que anseia por Ágape!"
Pe. Deolino Pedro Baldissera, sds